terça-feira, 28 de outubro de 2008

Lúgubre tic-tac

Queria engolir todos os livros,
degustar a poesia, a filosifia e a ficção.
Mas parece que as semanas tornaram-se
dias curtos e sem luz.
Queria eu, construir castelos na praia
e deixar as ondas derrubarem meus sonhos de areia...
Mas os dias agora parecem apenas horas desenfreadas
em relógios tortos.
Queria correr tardes pelo parque;
cambalear, equilibrista, no meio-fio branco,
de braços abertos, a alcançar o céu com a ponta dos dedos.
Mas parece que as horas são frações cortadas
de segundos e milésimos incessantes e inférteis.
Eu queria, queria mesmo
Fazer um filme,
um filho
e um pôr-do-sol.
Mas parece que o tempo
acabou.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Grilos

Ontem, à noite, matei um grilo:
era o septuagésimo nono.
Por favor, não me acusem.
À noite, é sempre triste que os grilos cantem.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Alto-falante

Porta a porta, te vendo
gritando alto teu nome entre os varais
para que corram as senhoras
e suas roupas de florais
para que se abram as janelas
a ver teu semblante
para que exalem sorrisos
ao invés de alvejante.

Lavo as ruas - sujas ruas -
com teu nome
para embeber a minha vida
e matar a minha fome
para brotar do negro asfalto
o calor da tua presença
para tirar dessa cidade
esse gosto de sentença.

Te disperso em cada esquina
para que estejas lá
a me ver menina
para que estejas lá
quando eu passe
para que enlace, transpasse,
me escasse.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Alguma coisa

Alguma coisa
A mesma coisa
Em tons anis
Em tons pastéis
Navega em mim
Navega a mil
Cantando alto em meus bordéis
Carrego sons
Carrego sóis
Além de mim
Aquém de nós.

terça-feira, 10 de junho de 2008

A menina dos olhos de lupa

Leia A menina e o analista (de sistemas?)
e A menina e a sacada púrpura I e II e III

A menina e a sacada púrpura IV

O dia parecia não querer passar.
O tempo estava ansioso, assistindo, como um espectador fascinado,
a menina e o homem, ali conversando singelos e complacentes. Felizes.
O mundo paralisou e eles nem notaram..

- Especialidade? - disse, já empolgada, a menina.
- Não ter nenhuma.
A menina sorriu, algo lhe parecia muito familiar naquele rapaz.
- Você me parece tão conhecido,
mas não recordo de já ter cruzado com você alguma vez. - falou a menina, espiando dentro do rapaz.
- Talvez, sim. Qual a sua especialidade?
- Visual. E não é oftalmológica!
- É tipo, psico-ótica, ?
- Exatamente! - a menina sentiu-se tão bem, como há muito não sentia.
Alguém além de folhas de papel parecia entendê-la.
- Quem está analisando quem agora?- disse o rapaz, com um ar de ironia.
Um turbilhão de lembranças rondou a mente dos olhos de lupa.
Mas não podia ser! Não deveria! Não, não..
Logo, o rapaz olhou a menina, dentro de seus olhos, e disse:
- Sabe, eu menti. Eu tenho uma especialidade, mas ela me é alheia. Me formei, abri meu consultório: eu era analista. Até um dia, uma menina surgir em minha sala, como perdida. Uma perdida muito bem achada. Não sei se a menina havia ido lá pra saber de si, sei apenas que a partir daquele dia é que passei a saber de mim. Ela mudou tudo. Tudo em mim.
E, sabe, eu teria passado o resto da minha vida procurando ela, se não fosse tão fácil encontrá-la. Por que desde aquele dia, a única especialidade da minha vida, e a qual eu me dediquei e dedico totalmente, é poder sentir a menina que um dia tocou, tão certa e tão ríspida, o meu ser, e me deu razão de sê-lo.

Ali, na varanda, a terra parou de girar, as pessoas estagnaram,
o sol escondeu-se atrás de nuvens frias..
Não havia som, não havia luz, não havia tempo.
Não cabia na vida a imensidão daquele momento.
A menina estava estagnada. Abismada com a roda-viva da vida.
Tudo apresentava-se surreal demais.
O silêncio mais assustador da sua vida tornara-se real.
O olhos de lupa não conseguiam apalpar a existência..

O homem sorria. Um sorriso viril.
Um ar cruel (é, aquele mesmo de quem sabe o que quer!).
Quebrando a ordem universal, o homem cantou:
"Vai ver o acaso entregou alguém pra lhe dizer o que qualquer dirá.."

Uma lágrima fugitiva e sorrateira, correu a face da menina..
E o homem ali, parado, sorrindo para ela..






"Parece que o amor chegou aí, eu não estava lá, mas eu vi.."

domingo, 8 de junho de 2008

A menina dos olhos de lupa

A menina e a Sacada Púrpura III

O homem da sacada púrpura observou a menina dos pés à cabeça, olhou novamente em seus olhos e disse:
- Você fica bem melhor de seda branca e azul.
Quebrou-se o gelo.
A menina sorriu, singela.

- Posso entrar?
- Claro..

Subiram. O menino-homem espiou todo o espaço, sentiu os cheiros...
Enquanto a menina tentava disfarçar a bagunça.
Após analisar o local, ele sorriu e exclamou:
- Pensei que não existisse alguém vivendo pior que eu!
Ela sorriu, extremamente - e duplamente - envergonhada.
Pensava consigo na besteira que acabara de fazer:
"Estúpida, primeiro você abre as portas tão fácil, segundo exibe essa grande imundice!
Grande tola!"


Foram para a varanda.
- Desde quando você mora aqui? - disse ele.
- Desde sempre.
- Eu estou aqui há três anos.. - falou o rapaz, apreciando a vista da rua.
- É, eu sei. - disse a menina
Silêncio.
O homem espiava o mundo ao redor.
O olhos de lupa sentiam medo, medo apenas.

- Você vive sozinha desde sempre também? - disse o homem, olhando para sua casa, do outro lado da rua.
- Talvez. - respondeu fria; temente.
Mais silêncio, mais apreciação e mais medo.

- Você não vai perguntar meu nome? Minha idade? Não vai me dizer coisas bonitas e depois tentar me levar pra cama? - disse a menina frenética; a respiração ofegante; os olhos pareciam querer tomar vida, abertos, ávidos; o corpo tremia, tremia, tremia.
- Não. - respondeu convicto, com os olhos dentro dos olhos de lupa.
A menina se desarmou, e disse complacente:
- Tá.
- Pra mim, você parece uma menina onde uma mulher se perdeu. parece ter uns mil anos - pesados anos - dentro destes olhos profundos, que te suportam e são o que de melhor tens. Também não sou rapaz de dizer coisas bonitas, nem tentarei te levar pra cama, até por que você não tem uma. - disse o rapaz. Inerte e certo de cada letra que dissera.
A menina sorria, num quase desespero.
Jamais alguém havia lhe analisado, tão de perto, tão certo e inabalável.


- Pais? - disse ele.
- Orfã.
- De pai e mãe? - disse, olhando para a menina com certa piedade.
- Sim. - respondeu calmamente, a menina.
- Sinto muito... - falou envergonhao.
- Eu também.
O homem silenciou. Incomodou-se com sua pergunta indiscreta, e não se atrevia a dizer uma palavra sequer.

- Filhos? - perguntou a menina.
- Não. - disse o rapaz, surpreso com a atitude dela.
- Amantes? - perguntou o homem.
- Tive dois.
- Eu tive oito.
- Você ama demais, meu caro.
- É a minha demasiada humanidade.
- Por quê púrpura? - questionou a menina.
- Por que me dá uma condição de realeza, não acha? - disse sorrindo, o nobre rapaz.
- Acho, acho sim. - sorriu também, cúmplice, a menina.

Horas passaram. E os dois sorriam, companheiros desconhecidos, numa varanda pequena e comum...


quarta-feira, 4 de junho de 2008

A menina dos olhos de lupa


A menina e a Sacada Púrpura II
Leia A menina e a Sacada Púrpura

"Com o cessar da chuva, restaram os olhares perdidos

na imensidão existencial.
Tempo algum apagaria o primeiro olhar sem dor,
tempo algum apagaria aquele instante:
Quatro olhos complacentes dividindo o mesmo gozo.."

A menina sentou na janela amarela.
Do outro lado da rua o homem permanece escorado no gradeado de sua sacada púrpura,
firme, olhando dentro dos olhos de lupa.
O corpo da menina estremece.
Era a primeira vez que alguém a olhava tão intensamente (e de forma tão encantadora).
O homem sorri, dá as costas, fecha a porta, e o mundo se enche de solidão e claridade.
O sol desponta atrás das nuvens retomando o seu império.
A menina desce da janela. Exita. Olha para trás, para se certificar da partida. Recolhe os papéis e livros, o cigarro morto, colocando-o no cinzeiro, e em seguida os dois sobre os livros, na outra mão a caneca..

No quarto restam a janela amarela e a poltrona velha..
Percorre o corredor e desce a escadaria, com ar de quem encara a morbidez da vida:
É hora de comer seu dia feijão-com-arroz.
Repetir a mesma solidão e unir a novos pensamentos, para acabar no colchão velho e bolorento da sala, fumando cigarro e tomando vinho barato.

Passa pela cozinha e abandona a caneca, logo depois os papéis, livros e o cinzeiro, na mesa..
Sobre a mesa, uma fotografia antiga que a menina sempre evitava.

Troca de roupa. De moletom cinza e meias brancas, vagueia pela casa até parar em sua estação:
sentada frente à pilha de folhas sobre a mesa, com o lápis passeando nas mãos, e o olhar na imensidão de sua parede amarelada pelo tempo..
A campainha toca.
Um frio delicioso e assustador corre a coluna da menina.
Ninguém, nunca, tocara a campainha - exceto os carteiros importunos.
Ela respira a tensão por alguns instantes, levanta e vai ao encontro da porta:
corre as escadas, pára diante da porta, segura a maçaneta por alguns segundos, até que finalmente abre.
Parado à sua frente, com um sorriso estonteante e os olhos brilhantes, o homem da sacada púrpura - que ali, tão de perto, parecia tão menino.
A menina congelou. A boca entre aberta, os olhos desacreditados, as pernas tremiam, bambas, causando uma instabilidade constrangedora..

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Era domingo
o tempo, folha de outono,
caiu sorrateiro dos galhos meus
Me fiz palavras e ilusão
nem medos
nem sonhos
nem desejos

Era domingo.
Frio e chuva
batendo na minha janela
Chovia toda cidade;
todo o jardim;
Chovia tudo
em mim.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Não quero. Não sei. Não posso.
As letras negam dança com o papel.
A poesia foi embora.
Me deixou:
caixão e misericórdia.
- Não a julgue assim, pequena.
A poesia sempre salta.

Faltam palavras
nas minhas linhas.
Rimas pequenas
Versos fracos.

Não cabe em mim aquele sol que não raiou.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

1° de maio

Sustenta o ânimo,
homem meu,
vou dizer o quanto
te amo.
Se foi ilusão
ou choro, não importa.
Hoje, vou dizer
o quanto te amo.
Se o poema fosse canção
e o meu canto
não fosse essa cólera suicida
Te dirias, amado meu,
que
amor maior
não encontrarás nesta vida.
-

Aonde estás, amor?
Poupou-me a companhia
no café e no jantar
Do almoço, fiz varanda
- vi a tarde passar -
Poupou-me da presença
de te amar?
Se vais matar,
mata-me
- deixei o amor sobreviver -
Amantes precisarão
pra viver
desse amor que um dia
entreguei à você.
-

De ti, não quero apenas
o riso e o abraço;
o berço e os bons tratos
Te quero inteiro:
corte,
sangue
e lágrima
Te quero problema
e desespero
Te quero desespero
e
saudade
Te quero frágil;
impotente; solidão
Te quero menino
pra
descansar em mim:
Fortaleza e cais.
-

Vem, pequeno
descansar, em
minh'alma mundana,
toda tua fúria
de
homem perdido
Vem, caber-me nos braços;
Fazer abrigo dos abraços
Unir pequenos laços
e
fazer um lar.


Você me daria a mão?

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Rapidinhas

As palavras comeram
os meus dias;
o eco de meus sons;
fizeram de meus sonhos
pombas imprudentes
(retornando a pombais
que não são meus).
Letras, fizeram
de meu grito, carbono;
de minhas preces, manchas
Letras e palavras
fizeram de mim
poeta.
A poesia fez de mim
um
suicida
desarmado.
-

Virou
silêncio
o que antes era lar.
Onde pus minha caneca,
o café jamais chegou.
Choveu todo o dia,
e mesmo assim nada lavou.
Eu cuidei de secar
o que a água inundou.
Deixei no
caminho de Pasárgada
o
lar,
o homem,
o ar,
Por que esse
mundo-moinho
talhou meu caminho
sem me consultar.





quarta-feira, 26 de março de 2008

A menina dos olhos de lupa

A menina e a sacada púrpura

É segunda-feira. Dia mais chato não há.
O céu carrega o peso das
nuvens cinzas e cheias.
Na velha casa, no quarto escuro, diante da janela amarela, repousa numa poltrona velha um semblante feminino de solidão. Ao chão, uma caneca de café frio, pontas de cigarro no cinzeiro, livros, folhas e lápis.
Um cigarro queima entre os dedos, enquanto os pés cruzam-se, repousando na janela.
A menina está longe, o olhar perdido na
infinda imensidão celeste.
Nem mesmo o barulho da rua; nem o telefone incessante; nem as primeiras gotas de chuva; nem o vento frio assanhando-lhe os pêlos, nada movimenta seu olhar.
O céu escurece a cada instante, apagando o sol brilhante do meio dia.
As gotas de chuva vêm numerosas..
A menina levanta da poltrona, encharcada das gotas que lhe banhavam invadindo a casa pela janela.
De pé, com as mãos apoiadas sobre a base da grande janela, mirando o céu com seu olhar 'luparino', gritou com uma autoridade divina:
- Achei que não virias!
O mundo fez-se de um silêncio perturbador. Enquanto a chuva seguia incessante, forte, pungente..
A menina, exposta na janela, sentia a chuva tocar a sua fronte e correr seu corpo..
- Vem, vem! Eu sei que você tem saudade, sei que você tem vontade de mim! - Berrou em
delírios lancinantes.
O vestido de
seda branca e azul gruda em seu corpo, em cada canto mal formado de sua matéria.
A menina pôs-se de pé sobre a janela, sustentando as mãos atrás, nas bordas.
Pondo o rosto e metade do busto e abdomen pra fora, beija o vento que lhe balança o vestido.
A existência se encheu de uma magia harmônica e miticamente surpreendente.
Os olhos de lupa carregavam um sorriso aberto, grande, infindável..
Canta, numa oração divina, como Iemanjá em meio às águas torrentes:
- "E a chuva nunca pára de cantar, a chuva nunca pára de descer.
E a chuva vem pequena e grandiosa, acalenta ou revira o nosso lar."
Do outro lado da rua, duma sacada púrpura, surge uma voz masculina, de um recanto imperceptível..
- "A chuva com o seu sonho de água, vem acesa pra lavar o que passou.." - cantou ardente a voz.
A menina respirou a voz como uma resposta dos céus, e prosseguiu seu transe inundante.
O vento, a chuva e os sons faziam música incomum.
Os olhos da menina, despertando, cruzam-se com um olhar plangente do outro lado da rua. E o momento fixa, com sorrisos correspondidos e almas compartilhadas. O mundo é puro encanto.
Enquanto dentro do quarto as gotas de chuva apagam o cigarro ao chão, morrendo na solidão...

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Rapidinhas

Perdi o caminho
numa linha reta
Não há retorno
nem manobras
Há apenas
eu
o caminho
você
e 700 km de distância

-

Não há flores
nos jarros
nem nos jardins.
A chuva não vem.
Meu sol escureceu.
Há apenas nuvens
correndo o céu
emudecendo os dias
pesando sobre as cabeças
correm, rastejam, desenham
figuras tolas
para Gabriel sorrir.
Deitado, olhando para mim
Ieiazel, diz:
"Dorme, Maria, que esse mundo é só agonia,
não é lugar para ti."