segunda-feira, 29 de outubro de 2007

A menina dos olhos de lupa

A menina e o analista (de sistemas?)

Ela sentou no divã.
A sala era verde-bebê.
O ambiente era rústico; os móveis, todos madeira velha e mal envernizada.
Tocava um "Harmonium Andino".
Um jaleco alto, de olhos profundos, facilmente desvendáveis, e rosto fechado, entrou na sala.
Solicitou, com olhar conformado, que a menina ficasse a vontade, pressionando-lhe levemente os ombros, para que deitasse no divã.
A menina, em desconforto, obedeceu.
O jaleco, vestido de um branco paz sem utilidade, a não ser dá-lhe a condição médica, sentou-se numa cadeira de couro, atrás do divã; Na escrivaninha de madeira enrustida, pegou um bloco de notas e uma caneta esferogáfica preta.

Dez minutos de silêncio
..........

- Eu
não tenho todo o dia. - Retrucou o jaleco.
- Eu tenho.

2 minutos de
incomodo silêncio..

- O que você espera dessa consulta?
-
Um laudo.
- Huuumm...

- O que te trouxe aqui?
- A curiosidade.
-
Achei que fossem os problemas...
- Não, não. Meus problemas eu já conheço, de longa data.
- Então...., quais os seus problemas?
-
Visuais, meu caro.

O jaleco estava inquieto; Mexia, incessantemente, os pés.
As pernas cruzadas; Impaciente.

- Eu pareço oftalmologista?
-
Na verdade, você me parece um jalecozinho rude, que não suporta mais o que faz; Não aguenta mais os velhos pacientes, e os seus velhos, mesmos, problemas insolucionáveis. E, de alguma forma estúpida, você se sente fadado a esta realidade, por que pensa não saber fazer nada além disso; Você não é capaz de ver, nem sentir que sabe ser bem maior.

O homem e seu jaleco estremeceram junto ao coração. Ele respirava ofegante; Sorria, descontroladamente, em desespero.
A menina, estava serena. Cruel. Parada, olhando para o teto, sobre o divã negro e macio moldando-se ao seu corpo.

- Quem está dando o laudo a quem? - Disse o jaleco, em um desdém desesperado.
- Ninguém.
- Você está me analisando, menina?
- Não.
Eu estou enxergando você.

Um silêncio aterrorizante tomou a sala. O
homem-jaleco parecia ter esvaziado.
A menina prosseguia
estática; imóvel.
Dos olhos profundos e ríspidos uma
lágrima, como fugitiva, surgiu. De repente, a sala fez-se de um pranto triste e revelador.
O homem, com a face inundada, esboçou, rapidamente, no bloco de notas. Jogou o jaleco ao chão, como um animal que deixava a velha pele. Destacou a folha do bloco, e segurou-a tão firmemente que ouvia-se o amassar do papel. Entregou à menina, como quem deixa a vida, resistiu um pouco, pressionando, ofegante, a mão da menina.
Ela, dura, sentiu o calor daquele homem que acabava de ceder à vida.
Os
olhos vermelhos, cruzaram com os olhos de lupa, e o instante cicatrizara no coração do homem.
Ele, assim como um anjo que acaba de descobrir o poder das asas, deixa a sala; Batendo a porta, deixando uma certeza de jamais voltar ali.

A menina, no divã, sorriu, num delicioso (e cruel) desdém.
Leu, então, as palavras no papel amassado e ainda quente:



- "Vai ver o acaso entregou alguém pra lher dizer,
o que qualquer dirá." - Disse a menina, sorrindo, prestes a chorar.
Levantou-se, guardou o papel, e deixou a sala escura, trancada, com o jaleco estirado, frio, lá dentro.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

A menina dos olhos de lupa

A menina e a manhã de domingo

A manhã desperta úmida e fria.
O sol, ainda atrás das cândidas cobertas, acorda a Menina no velho colchão descoberto, no meio da sala vazia, em frente à TV ligada.
Os olhos abriram displicentemente.

O ar úmido que penetrava a janela semi aberta e balançava as cortinas encardidas, irritava seu nariz, e ela, inconscientemente, espirrava.
Era mais uma
manhã de domingo, desses domingos sem fim nem começo. Aqueles domingos frios e tristes, em que se quer ficar deitado, embrulhado, dormindo, até que o dia acabe, para despertar corajoso da simples certeza de não ser mais domingo.
Mas que se há de fazer deitado um dia inteiro num colchão velho e bolorento; numa sala desmobilada; frente a um TV desregrada; debaixo de finas cobertas?
Para a Menina (e metade dos humanos que vivem o domingo morto) não há fuga. Ou ali, pensando e remoendo o que se viu e viveu, ou na rua, vendo mais coisas que depois, mais cedo ou mais tarde,virarão pensamentos dolorosos de domingo...
Ela desperta preguiçosa, senta no colchão cobrindo, sem perceber, as pernas com o fino lençol; olha a TV e o barulho irritante das corridas de formula um e seus narradores alucinados;
Sente o o vento frio adentrar pela janela, sacudindo as velhas cortinas; Acende o cigarro amassado que estava no chão, e deixa o domingo queimar em pensamentos, como queima o tabaco no cigarro acesso.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Embaixo da cama

Tem um coração embaixo da cama!
E ele bate como rufa o tambor do samba faceiro.
Me acorda, quando bate acelerado,
parecendo que sofre ou que chora.
De quem será, Meu Deus, esse coração que bate embaixo da cama?!
Será do monstro ou do nobre cavalheiro?
Sei que não me deixa dormir, e passo noites ouvindo
esse coração batendo, rufando, dentro do meu colchão.

sábado, 6 de outubro de 2007