segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Mortos

Foi-se o tempo
em que os chapéus
saudavam os mortos -
transeuntes imóveis
badalando entre negros véus.

As cabeças
estas, sim, ainda pendem.
O queixo toca o peito.
Enquanto desce
à terra etérea
o corpo nu -
despido de alma.

Os olhos, fixos no vão
infinito de possibilidades
que já não existem;
no silêncio de uma alma
que jazem.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Doce Clareza - Desconstruções



E-book feito por mim para um trabalho da universidade. A idéia baseia-se na descontrução física de quatro poesias minhas. A intenção é que haja mais de uma produção; que outras sejam feitas com outras poesias e com inovações não somente na estrutura física das poesias.

Como faz tempo que não posto nada, resolvi colocar esse material aqui pra quem desejar ler e opinar sobre possíveis "continuações".

Até breve (espero).

Para baixar o DesConstruções clique aqui.

domingo, 4 de outubro de 2009

A menina dos olhos de lupa

Auto-biografia em papéis (mais) amarelados

"Nunca quis ser nada. Nunca pensei no "quando crescer". Apenas cresci. Sem escolha; guiada por um caminho qualquer. Nunca passei fome graças à pensão do meu avô, ainda assim trabalhei em diversos lugares até descobrir que podia ganhar dinheiro escrevendo. Tenho alguns problemas com a inspiração, gasto muitas resmas de papel e perco muito tempo de vida buscando algo interessante que pague a comida e as contas no fim do mês. Talvez alguns me chamem de hipócrita ou mesquinha, mas minha luz e minha barriga são mais importantes que os excessos emocionais de pessoas que desconheço.

Já me apaixonei. Já vivi algo parecido com uma vida normal. Não sei precisar em que momento do passado me perdi e acabei deitada nesse colchão.

Sempre vivi na mesma casa. Mas vendi boa parte do térreo. Vivo só, é espaço demais para matéria de menos. É uma casa antiga e de andar. Hoje em dia, resta apenas um pequeno hall de entrada, a escada e o primeiro andar onde vivo. Em um dos quartos há uma janela através da qual posso ver o mundo."

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A menina dos olhos de lupa

Auto-biografia em papéis amarelados

"Nasci. Fiquei orfã de mãe aos 45 segundos de vida. Para mim ela é somente uma mulher na fotografia. Sempre morei na mesma casa, com algo que deveria ser minha avó materna. Não que eu tenho muito do que me queixar, mas não posso assegurar que tive uma infância afetuosa.
Não tenho recordações do que me aconteceu até meus cinco anos - também não tenho que me recorde. Se é que houve algo, tinha móbile e cheiro de cana.
Cresci numa espécie de azilo sem paredes. A pessoa mais nova, depois de mim, devia ter uns 60 anos. Não foi de todo ruim, mas a velhice por vezes é chata e mata rápido. Crianças por aqui só nas férias, por dois ou três dias. De fato, o lugar nunca foi muito atraente, mas sempre teve um cheiro adocicado sem igual.
Fui criança brincando sozinha e criando meus próprios personagens.
No meu lugar, as janelas se abriam às três da tarde, junto com as bocas futriqueiras. Minha teoria é que aquelas velhas senhoras criaram o que chamam hoje de poluição sonora e precederam qualquer noticiário jornalístico. Tudo que fosse preciso saber estava à disposição a partir das 15h, nas janelas mais próximas de você. Hoje sinto falta das vozes e risadas das velhas cruzando a rua; hoje os carros não permitem ouvir as vozes.
A vila em que vivia era um refúgio do tempo, até que a cidade cresceu e nos engoliu. Eu tinha precisamente dezesseis anos quando vi famílias inteiras mudando-se para cá. De vila, nos tornamos bairro, hoje chamam meu lugar de subúrbio. Não importa o que queiram com essas denominações, ainda gosto do nome de vila e da tranquilidade que me passa.

Minha avó morreu. Por alguma conveniência emocional genealógica, eu chorei. Não sinto falta dela, até por que não recordo da sua presença.

Não é algo tão significativo para mim, mas fui à escola. Descobri o que são livros, léguas e línguas. Aprendi o que significa platônico. Pla.tô.ni.co adj 1 Relativo à escola e filosofia de Platão. 2 Casto. 3 Ideal. E vi que houve alguns idiotas que julgavam isso uma forma de amor. Amor é quando chove e o mundo parece parar pra ouvir. Amor é quando dois olhos congelam e eternizam dois segundos. Isso tudo aprendi na escola - precisamente nos intervalos e na saída, de fato, os momentos mais produtivos da vida escolar..."


continua...

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A menina dos olhos de lupa

Seus papéis

"sentada frente à escrivaninha velha, na qual se encontravam pilhas de papel escrito..."

"Com o tempo, parece que os momentos vão perdendo importância. Antes, um olhar era enredo para páginas e mais páginas de diário; hoje os olhares são apenas cruzamentos e nem há mais diários.
Beijos não são outdoors, nem mesmo lábios eles são mais. Beijos transformaram-se em desejos saciados. As mãos perdem o toque e o suor. As pernas esquecem a embriaguez. A mente já não espera. As lágrimas são contadas e contidas.
Parece que somente os finais é que conservam sua essência. Finais e seu amargo gosto de final. As vezes, acredito que até os finais deixaram de ser tão pontos-finais: para alguns o fim agora é um começo e tem o grato sabor do renascer. Para mim e meus olhos maculados, fim é fim e sempre guarda o dissabor das saudades, dos olhares à meio-ponto, das mãos desatadas, das canções tocando em vão, do telefone silenciado, dos longos dias chuvosos...
O inconfundível dissabor do amor; do amor-único ganhando um ponto-final.

E o que a gente faz com essa vontade de não ser?"

quarta-feira, 25 de março de 2009

A menina dos olhos de lupa

A menina e a sacada púrpura V
(A menina e o despertar)

Rodava. Dentro da cabeça rodavam um turbilhão de cores, de sons, de gestos.
"Há quanto tempo você mora aqui?"
"Orfã."
"Por que púrpura?"
Perguntas e respostas. Olhares e propostas. Dias. Noites. Manhãs e mais manhãs. Músicas e chocolates. Par e pôr-do-sol.
Algo transcendia e sugava sua alma-menina em fulgores relutantes.
Respiração ofegante. Pupílas dilatadas.
Os olhos abrem, mas parecem resistir em reviver.
Abrem e fecham diversas vezes num único instante.
Mas, não há escolha: é vida!
A menina percebe-se estranha, algo acontecera.
O corpo úmido de suor e os olhos vidrados no teto.
Ela corre as mãos pelo colchão na tentativa de reconhecer o espaço. Estava ela, deitada naquele que já não parece tão bolorento, frente a janela amarela.
O quarto agora compõem-se com guarda-roupa, escrivaninha, abajur, livros e cigarros. Do alto da janela, desce uma cortina semi-transparente com detalhes de flores e ramos.
A menina desespera-se: este não é o seu espaço, esse não é seu corpo, essa não é ela.
Ela levanta, corre até a janela e escancara a cortina:
Do outro lado da rua, a sacada é vermelha e uma senhora com seus pesados 65 anos rega pequenos vasos de orquídeas vagarosamente.
Os olhos de lupa examinam toda a rua, ponta a ponta, sacada por sacada, porta a porta, janela a janela, rosto a rosto, correndo de um lado a outro diversas vezes.
Ela tocou lentamente seu corpo: examinou a blusa branca e short jeans que vestia.
Começou a andar pela casa examinando cada cômodo, cada cheiro: a cozinha estava limpa, os livros e papéis arrumados, portas e janelas trancadas, as cartas sobre a mesa.
Tudo era confusão.
Havia ausência nas paredes, no teto, no vento, em cada fio de cabelo, nas xícaras vazias, nas fotografias e no coração pulsando lentamente dentro da menina. Uma falta maior que a capacidade de ser.
Suavemente uma música balançou a cortina da varanda tocando a menina com um afago amante, carnal, delirante e a ela percebeu vida entrar através da única fresta de lucidez que ocupava aquele espaço:

"Não há nada em ti que não reflita em mim.
Os seus olhos me escondem, não me deixam partir.
Ensaia confusões pr'eu não me esquecer de viver no seu mundo
E tentar te entender." *

Ela sorriu um prazer delicado e pungente, correu para a varanda em busca da fonte sonora: na rua, um menino sentado na calçada tocava violão e olhava para o céu, abismado com as cores celestes ao entardecer.

A menina respirou sua última esperança, ajoelhou-se, olhou o céu e chorou.

A campainha toca.


* Música: Entender você - Aguarráz

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

A menina dos olhos de lupa

A menina e o sonho

O tempo passava em conta-gotas.
A menina girava. E dentro da menina, uma menina girava.
O dia estava quente. Um caleidoscópio colorido e incesssante de cores e odores girando, girando em contra-mão.
A menina dormia. E dentro da menina, uma menina dormia.
Só havia silêncio e suor.
O colchão a expulsava. A janela a prendia. O colchão a deleitava. A janela a esquecia.
Na cozinha a torneira pingava, gota a gota - como o tempo - uma sinfonia desnecessária.
A menina chorava. E dentro da menina, uma menina chorava.
A mesa, os relógios, as canetas, os papéis: tudo derretia como as figuras de Dali.
Vida? É um joguete cruel do De(u)stino.
E a menina morria. E dentro da menina, morria algo mais que apenas uma menina.