segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A menina dos olhos de lupa

Auto-biografia em papéis amarelados

"Nasci. Fiquei orfã de mãe aos 45 segundos de vida. Para mim ela é somente uma mulher na fotografia. Sempre morei na mesma casa, com algo que deveria ser minha avó materna. Não que eu tenho muito do que me queixar, mas não posso assegurar que tive uma infância afetuosa.
Não tenho recordações do que me aconteceu até meus cinco anos - também não tenho que me recorde. Se é que houve algo, tinha móbile e cheiro de cana.
Cresci numa espécie de azilo sem paredes. A pessoa mais nova, depois de mim, devia ter uns 60 anos. Não foi de todo ruim, mas a velhice por vezes é chata e mata rápido. Crianças por aqui só nas férias, por dois ou três dias. De fato, o lugar nunca foi muito atraente, mas sempre teve um cheiro adocicado sem igual.
Fui criança brincando sozinha e criando meus próprios personagens.
No meu lugar, as janelas se abriam às três da tarde, junto com as bocas futriqueiras. Minha teoria é que aquelas velhas senhoras criaram o que chamam hoje de poluição sonora e precederam qualquer noticiário jornalístico. Tudo que fosse preciso saber estava à disposição a partir das 15h, nas janelas mais próximas de você. Hoje sinto falta das vozes e risadas das velhas cruzando a rua; hoje os carros não permitem ouvir as vozes.
A vila em que vivia era um refúgio do tempo, até que a cidade cresceu e nos engoliu. Eu tinha precisamente dezesseis anos quando vi famílias inteiras mudando-se para cá. De vila, nos tornamos bairro, hoje chamam meu lugar de subúrbio. Não importa o que queiram com essas denominações, ainda gosto do nome de vila e da tranquilidade que me passa.

Minha avó morreu. Por alguma conveniência emocional genealógica, eu chorei. Não sinto falta dela, até por que não recordo da sua presença.

Não é algo tão significativo para mim, mas fui à escola. Descobri o que são livros, léguas e línguas. Aprendi o que significa platônico. Pla.tô.ni.co adj 1 Relativo à escola e filosofia de Platão. 2 Casto. 3 Ideal. E vi que houve alguns idiotas que julgavam isso uma forma de amor. Amor é quando chove e o mundo parece parar pra ouvir. Amor é quando dois olhos congelam e eternizam dois segundos. Isso tudo aprendi na escola - precisamente nos intervalos e na saída, de fato, os momentos mais produtivos da vida escolar..."


continua...

5 comentários:

_d.aia_ disse...

Primeiramente...

DESCULPAAAAAAAAAAA não ter visitadoo mais o blog >.<

Po Clari...
Que texto gostoso de se ler...
Como falei, tava lendo td primeiro pra comentar dpois.. pq naum conseguia mesmo parar de ler...

Tava dificill pra carambaa...

Eh gostoso...
Tava imaginando akele dia de sol, lá pelas 3 hras da tarde, em q uma nostalgia louca bate na porta, não tem nada de interessante na tv, vc ta cansado de ler o livro que ta jogado no chão do quarto e começa a torcer pra passar um sorveteiro na rua....

A menina..
Imaginei a menina como uma menina assim....
Sempre esperando o sorveteiro chegar e fazer akele doce e gelado sorvete acender alguma coisa morta dentro dela....

Como se a vida estivesse no sabor de um doce...

Obrigadaa pela ótimaa leituraa garotaa!!!

Jéssica Mendes disse...

Sempre bom visitar teu blogue. Muito bom. =]

E obrigada pela visita ao "Salvadores daqui"

Abraço.

Josy Poulain disse...

"...a velhice por vezes é chata e mata rápido."
Muito bom Clari...
Confesso que gostei desse mais que de todos ou outros, lembra de mim em algum momento que talvez eu nem tenha vivido.

louco né?

Beijos;

Mires disse...

"intervalos e na saída, de fato, os momentos mais produtivos da vida escolar..."
De fato o são...

Mummy...
que saudades de você!!
Tava morrendo de saudades de visitar esse blog aqui... me dá uma paz tão grande ler seus textos...
:D

Te amo!
Brigada por nunca esquecer de mim!
Beijos!

Anônimo disse...

casinha

me dá nojo vc naum me mostrar essas coisas +, + eu vou atraz

chata!